Peter Michael Dietz – Um super bailarino independente
(texto lido na noite de homenagem ao Peter Michael Dietz organizada pela Companhia de Dança de Almada, dia 26 de Setembro 2014)
Conheço o Peter Michael desde que veio para Portugal nos anos 1990. Cruzámo-nos no meio da nova dança portuguesa, que emergia com a Re.Al – João Fiadeiro, as Danças na Cidade ou a Associação Portuguesa para a Dança, entidades com quem eu trabalhava e aprendia. Vejo sempre o Peter ligado a este tempo de início de uma história essencial que explica o que somos hoje; o início da vida da dança independente, e contemporânea, em Portugal.
Apesar da cumplicidade óbvia que o Peter tinha com o estilo Nova Dança – muito influenciado pela acrobática vertiginosa de Wandekeybus, o voar a dois de Paxton ou a expressão existencial de Baush – notou-se sempre uma singularidade tocante que ainda permanece. Normal; o Peter enquadra-se na disciplina com o princípio de que o bailarino é uma pessoa, constrói como indivíduo, e nas suas relações sociais, uma identidade específica. Não é só corpo, é performer, é pessoa. Mas são poucos os bailarinos em que isto é realmente verdade e o Peter é, em Portugal, um dos melhores e mais persistentes exemplos dessa qualidade rara.
Há algo de pássaro no Peter Michael que sobrevoa, identifica e depois atravessa; há algo de macaco no Peter, que delicia pois ele dança tão bem com dois pés como com um, duas mãos ou mesmo uma mão só, ou até sobre a cabeça. Ainda não tínhamos hábito de ver o hip hop como arte e já o Peter trazia ao palco, no seu corpo forte e ágil, uma mistura de flying low com a elegância das linhas balléticas e uma masculinidade visceral de quem sabe onde está e porque está, consciente de uma escolha sem rede: a concorrência é forte, o público não sustenta, o estado dá muito pouco e ele é um estrangeiro.
Vi no seu último solo, que programei no festival dansul em 2013, um grito irónico e sensível que o caracteriza. A peça é autobiográfica e apresenta uma questão pungente sobre o papel do artista na sociedade: que pretende dizer ao público? qual o valor do seu trabalho? que meios tem para o fazer? Nesta estadia no sudeste alentejano os jovens e adultos das escolas locais e da comunidade conheceram a exemplar experiência de Peter Michael Dietz, como bailarino, coreógrafo e formador; um novo público que apreciou sem reservas a sua maneira de estar na vida, com poucas palavras, um corpo pujante e muita autenticidade.
Olho para a carreira do Peter e lamento não ser uma figura pública com poder para o condecorar, certificando o mérito do seu trabalho, empregando-o e assegurando uma reforma merecida pelo seu contributo à nossa cultura com uma profissão de grande e rápido desgaste. Não quero dizer que é hora de se reformar! Espero que continue activo durante muito tempo; mas desejo isso aconteça com a devida dignidade e preocupa-me que possa não ser assim.
Paula Varanda, 15 de Setembro 2014