Post humanism, new identities, alternative narratives, digital reality and rituals of resistance, are some of the representations, experiences and debunks that we found in spiraling effervescence at the 2019 Venice Art Biennale. Among works and manifestos organized under the motto “interesting times” launched by curator Ralph Rugoff, the elegant and powerful Portuguese representation of Leonor Antunes deeply penetrates the Palazzo Giustinian Lolin with architecture, decoration and raw materials, playing in coherent rhythms along the building and its history.
Viagem à Biennale Arte 2019, 58ª exposição internacional em Veneza
Pós humanismo, novas identidades, outras narrativas sobre a verdade, realidade digitalizada e auto-organizada, rituais de homenagem e resistência, planeta em sofrimento, mutação genética, corpo anormal, media message e monstros do poder, são algumas das representações, experiências e denúncias que encontrámos em espiral efervescência na Bienal de Arte de Veneza 2019, com obras peculiares de pintura, fotografia, multimédia, escultura, vídeo, performance e instalação, de artistas reunidos na exposição central, tais como Christian Marclay, Soham Gupta, Ed Atkins, Shilpa Gupta, Teresa Margolles, Martine Gutierrez, Mari Katayama, Margaret and Christine Wertheim, Michael Armitage (b.1984 Kenya – The Paradise Edict), Stan Douglas (b. 1960 Canada), Cameron Jamie (b. 1969 USA), Jimmie Durham (b. 1940 USA), Njideka Akunyili Crosby (b.1983, Nigeria – Home: As You See Me), Sun Yuan and Peng Yu (b. 1972 and 1974 RP.China – Can’t Help Myself), Khalil Joseph (b.1981 USA – BLKNWS), ou Halil Altindere (b.1971 Turkey – Space Refugee).
Obras e manifestos organizados e convocados sobre o mote “interesting times” e de “diverse orders” lançado pelo curador Ralph Rugoff, quando já não se acredita uma ordem única. Interessantes talvez no sentido em que os podemos conhecer, avaliar e possivelmente exorcizar, às vezes com irónico humor, no espaço-amostra ficcional e/ou documental de uma extensa e densa exposição, onde uma parte significativa do mundo se veio encontrar em diálogo (ou confronto) artístico durante seis meses. Na verdade são “tempos ameaçadores” como explicava Paolo Baratta, o presidente da Biennale, em que é “decisivo compreender a arte como um desafio às atitudes ultra simplificadoras”. A crise mundial é na saúde, é na paz, é no ambiente, é na economia, é na fé, é na política, é… uma crise de valores e uma crise climática que se porventura ainda não conseguimos compreender como História tecemos já todas as emoções que a crise desenvolve.
Das participações de países em pavilhões próprios sobressaltaram: a França em fuga ao desastre ambiental para uma realidade paralela; a paisagem inclusiva e empática de Yamandú Canosa do Uruguay; a natureza já sintética ou fossilizada retratada pelos países nórdicos (Suécia, Noruega e Finlândia); a Isuma TV do Canadá sobre a relocação forçada dos Inuit; o Brasil com a nova juventude nacional inclassificável e indomável; a Ukrania que conseguiu representar todos os seus artistas nesta Bienal simplesmente com uma lista que os inclui todos os nomes; Os índios antropófagos e borboletas do Perú que agitam as narrativas paternalistas de identidade e exotismo; nas Filipinas simulacros hipnotizantes do abismo encantam os nossos afectos; o Gana com várias surpresas urgentes e entre elas as malhas metálicas monumentais de El Anatsui; e, no Chile, um meticuloso e impiedoso exercício de reescrita da história da colonização, em vários episódios.
Estamos vivos e temos um enorme poder – de destruição sim, e de criação também – poderes outrora somente reconhecidos ao divino e hoje compreendidos como humanos; estamos vivos e vulneráveis aos poderes humanos destruidores. Agora que cada vez se sabe mais e se avalia mais o que se sabe, que a consciência está desperta e a evidência à mostra, com a ciência, a arte e a política, impõe-se fazer escolhas declaradas – no público e no privado, no governamental, no empresarial e no individual, na cultura, no lazer e, claro, no ensino, de crianças e jovens sim mas também de adultos. A exposição internacional de arte Biennale di Venezia 2019 foi uma exposição da distopia e resiliência mas também da celebração da diversidade e da utopia que, como diz Galeano, nos motiva e nos impele a andar, (esperamos!), na direcção de um futuro, (desejamos!), menos angustiante e mais participado pela democracia. A utopia alimenta-se de esperança, sonho, desassossego e intemperança.
Neste contexto a proposta de Leonor Antunes, artista que representa Portugal comissariada pela Direcção-Geral das Artes, é uma elegantíssima e arrojada intervenção, no Palazzo Giustinian Lolin da Fonzazzione Ugo e Olga Levi, que lhe dá abrigo, penetrando-o profundamente com referências da inovadora arquitectura italiana modernista, novos candelabros de vidrados coloridos suspensos; uma luz solar intangível, e os materiais transpirantes que se impõem também pelo estímulo do cheiro e do tacto: a madeira, o cabedal, a cortiça. Uma bela trama vertical entre escultura, design e arquitectura que revela a determinação e pujança desta artista aclamada pelo métier internacional.